Quando estou triste, choro, choro, choro. Ligo a vitrola e Chico, Chico, Chico. Quando estou feliz, também!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Geni e o Zepelim

Eu ficava pensando quando que eu ia postar essa música, o que falar dela.
Então hoje eu a cantarolei tanto, deve ter sido pelo fato do Nandinho tê-la usado como exemplo na aula de ontem, sobre cordel, rimas, versos e afins.
Na verdade, verdadeira, vou contar, eu vivo cantarolando esta música, eu sou fã da Geni, acho que foi a minha primeira heroína. Quando eu tinha meus seis, sete anos de idade, eu ouvia a música e entendia que ela salvava a cidade, mas que o povo a apedrejava mesmo assim, pobre Geni.
Me lembro que, ainda pequena, perguntei para a minha mãe: - Mas se ela salva a cidade, porquê as pessoas a apedrejam?
E ela olhou para o meu pai, riu e respondeu: - Porquê as pessoas são assim, mal agradecidas.
Hoje, passados alguns anos, muitos anos, eu entendo a letra, e sim, Geni continua sendo a minha heroína, independente de como, ela salvou a cidade, passou por cima dos seus capricho e deitou com o Comandante, tão cheirando a brilho e a cobre, e mesmo assim fora apedrejada, pelas pessoas mal agradecidas, pois o importante não é o que você faz, mas o que o outro faz, este sim não será salvo, mas você, você é imune.

Geni e o Zepelim
Chico Buarque



De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada.
O seu corpo é dos errantes,
Dos cegos, dos retirantes;
É de quem não tem mais nada.
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina,
Atrás do tanque, no mato.
É a rainha dos detentos,
Das loucas, dos lazarentos,
Dos moleques do internato.
E também vai amiúde
Co'os os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir.
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir:
"Joga pedra na Geni!
Joga pedra na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!"
Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante,
Um enorme zepelim.
Pairou sobre os edifícios,
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim.
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia,
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo: "Mudei de idéia!
Quando vi nesta cidade
Tanto horror e iniqüidade,
Resolvi tudo explodir,
Mas posso evitar o drama
Se aquela formosa dama
Esta noite me servir".
Essa dama era Geni!
Mas não pode ser Geni!
Ela é feita pra apanhar;
Ela é boa de cuspir;
Ela dá pra qualquer um;
Maldita Geni!
Mas de fato, logo ela,
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro.
O guerreiro tão vistoso,
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro.
Acontece que a donzela
(E isso era segredo dela),
Também tinha seus caprichos
E ao deitar com homem tão nobre,
Tão cheirando a brilho e a cobre,
Preferia amar com os bichos.
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão:
O prefeito de joelhos,
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão.
Vai com ele, vai Geni!
Vai com ele, vai Geni!
Você pode nos salvar!
Você vai nos redimir!
Você dá pra qualquer um!
Bendita Geni!
Foram tantos os pedidos,
Tão sinceros, tão sentidos,
Que ela dominou seu asco.
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco.
Ele fez tanta sujeira,
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado.
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir,
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir:
"Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!